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Alan: Uma carreira vivida com um sorriso nos lábios

  • Foto do escritor: Fernando Gamito
    Fernando Gamito
  • 15 de nov. de 2018
  • 7 min de leitura


Alan colocou um ponto final numa carreira pautada pela boa disposição e pelo talento exibido nos relvados portugueses


Uma carreira vivida com um sorriso nos lábios. Alan anunciou esta semana que vai terminar a carreira enquanto jogador de futebol, para assumir funções diretivas no SC Braga, clube ao qual dedicou as últimas nove épocas e no qual continuará a representar plenamente a mística dos 'Guerreiros do Minho', à semelhança do que tem vindo a fazer dentro das quatro linhas. Agora diretor das relações institucionais dos bracarenses, Alan chegou a solo lusitano, mais precisamente à Madeira, em 2001, e desde então fez de Portugal a sua casa e 16 anos depois colocou fim a um trajeto que o fez passar por Marítimo, FC Porto, Vitória de Guimarães e, por fim, SC Braga.


Com o Ipatinga ser o único clube que representou no país de origem, Alan rumou ao Marítimo em 2001 para cedo dar a conhecer à elite do futebol português o talento que detinha. Demonstrando um estilo de jogo bem díspar do que evidenciou nos últimos anos da carreira, como seria expectável, o agora antigo jogador chegou à Madeira visto como um extremo puro, pautado pela velocidade e pela qualidade técnica com bola nos pés.


Quem o diz é Rui Águas, treinador adjunto nos insulares em 2002/03, que coincidiu com Alan na segunda temporada do brasileiro no principal escalão do futebol português, já com créditos firmados dentro do plantel maritimista. “Era um jogador que se distinguia principalmente, naquele momento, pela velocidade no um-contra-um”, começou por referir Rui Águas, em declarações ao Bancada. Ora, precisamente aquando da passagem do técnico de 57 anos pelo Marítimo, Alan conheceu um dos períodos mais negativos da ainda curta carreira, que curiosamente teve como base o semblante de felicidade que carregava consigo nos treinos e nos jogos.


Sorrisos e brincadeiras não agradaram a Byshovets

Então com 22 anos, o tom de felicidade com que Alan encarava e via o futebol revelou-se fatal para as aspirações do brasileiro nas escolhas iniciais no Marítimo durante alguns meses (realizou apenas 19 encontros pela turma principal na temporada 2002/03). Em 2002/03, então com Anatoliy Byshovets no comando técnico dos insulares, Alan viu-se relegado para a equipa B, numa decisão, tomada pelo treinador russo, que não agradou ao restante plantel e ao próprio jogador.


“O Alan era uma pessoa que se destacava pela alegria, pelo sorriso, pelo humor. Curiosamente, eu estive no Marítimo como adjunto de um treinador russo [Anatoliy Byshovets] que não era tão bem-humorado e lembro-me que o Alan sofreu um pouco por isso, porque o treinador tinha uma cultura e personalidade bem diferentes dele e não lhe agradava a alegria e boa disposição do jogador nos treinos”, salientou Rui Águas ao Bancada, dando depois conta do facto de Alan ter sido, inclusive, relegado para o conjunto secundário dos insulares.


“Então, [Anatoliy Byshovets] colocou-o na equipa B por algum tempo, mesmo sendo ele um dos jogadores que mais prometiam, com maior potencial. O Marítimo tinha bons jogadores, mas em termos de potencial, juventude e da grande alegria que o fazia distinguir dos restantes, o Alan acabou por sofrer com o seu humor”, contou Rui Águas.


Sendo uma das principais armas ofensivas do Marítimo no momento em questão, Alan e os colegas não reagiram de forma positiva à decisão do timoneiro russo, que conheceu uma curta duração, entre dois a três meses, ao leme do Marítimo. Após o choque de culturas e personalidades, a saída de Byshovets restabeleceu a condição do brasileiro no seio do plantel do Marítimo.


Quatro épocas a bom nível na ilha da Madeira, valeram a Alan o ‘passaporte’ para rumar a um dos crónicos ‘grandes’ do futebol português. Ligado ao interesse do Sporting, foi mesmo o FC Porto a contratar o antigo jogador brasileiro para a temporada 2005/06, naquela que foi uma experiência que não decorreu como esperado para o novo diretor de relações institucionais do SC Braga.


Plantel recheado leva a falta de oportunidades na Invicta

Rumar do Marítimo ao FC Porto pode levar a maior parte dos jogadores a necessitarem de um largo período de tempo de adaptação aos afazeres de um clube que tem a obrigação constante de vencer e ganhar troféus. Ora, no caso de Alan, não apenas esse fator foi fulcral para o brasileiro não conseguir vingar na cidade Invicta, como também a falta de oportunidades que surgiu de um plantel azul e branco recheado de qualidade.


Com o passar das temporadas no Marítimo, Alan foi cada vez mais se tornando num jogador cerebral, ao invés de ser somente o extremo velocista que levava o perigo à área adversária através do flanco. No FC Porto, tanto numa posição de centrocampista, como a atuar pela linha, o brasileiro encontrou concorrência de peso na luta por um lugar nas escolhas iniciais.


Na primeira época ao serviço dos ‘dragões’, Alan conseguiu até somar vários minutos dentro das quatro linhas, não obstante a habitual condição de suplente utilizado que teve com Co Adriaanse no comando técnico dos azuis e brancos. Em 2005/06, o brasileiro disputou 31 encontros entre a Liga dos Campeões, o campeonato português e a Taça de Portugal, sendo titular em 14 ocasiões e somando um total de 1434 minutos.


No entanto, a segunda temporada no FC Porto não se revelou positiva para as aspirações de Alan, que jogou em apenas 12 partidas. Carlos Azenha esteve na equipa técnica de Jesualdo Ferreira nos azuis e brancos, em 2006/07, e esclareceu ao Bancada os principais motivos que contribuíram para Alan não ter vingado no clube. “Quando o Alan esteve no FC Porto, era uma altura em que a equipa tinha vários jogadores para a posição em que ele atuava, o que tornou difícil as oportunidades que o Alan necessitava para jogar. Estamos a falar num meio-campo que na altura tinha como base o Lucho, o Raúl Meireles e o Fernando. Nas alas também não haveria o espaço que o Alan necessitaria para jogar, com Quaresma e Lisandro López na frente de ataque.”


Ora, a falta de oportunidades que o brasileiro conheceu no segundo ano da experiência no FC Porto também teve por base alguma falta de certas capacidades fulcrais para o rendimento de um jogador num dos três ‘grandes’ do futebol português. “O Alan era um jogador muito evoluído tecnicamente, com uma técnica muito aprimorada, mas que naquele momento ainda não tinha um conhecimento tático do jogo que se pudesse aliar à grande qualidade técnica que tinha, aos princípios e às exigências máximas de jogo”, atestou Carlos Azenha ao Bancada.


Ainda assim, o técnico de 50 anos destacou o comportamento e a mentalidade de Alan, não obstante a pouca utilização que conheceu nessa época. “Sempre trabalhou da mesma forma, jogando ou não, fiquei extremamente agradado com a postura dele, pois normalmente os jogadores quando não jogam têm um comportamento menos adequado em função disso”, considerou ainda Carlos Azenha.


Temporada de sucesso na cidade-berço leva ao rival minhoto

A falta de oportunidades no FC Porto, levou a um empréstimo ao Vitória de Guimarães, em 2007/08, temporada em que Alan voltou a passear talento e sorrisos pelos relvados do futebol português. Essa época serviu como autêntica rendição do brasileiro, que tinha perdido algum fulgor na passagem pela cidade Invicta.


Uma temporada a bom nível de Alan coincidiu também com uma caminhada de sonho dos vimaranenses, que terminaram a Liga no terceiro posto. O médio brasileiro foi peça-chave do conjunto de Guimarães e, curiosamente, o regresso ao melhor nível terminou com a ida para o rival minhoto do Vitória, o SC Braga. Em 2008, Alan rumou aos arsenalistas a título definitivo e de lá não saiu mais.


Chegou ao Municipal de Braga já perto dos 30 anos, mas foi aí que conheceu o verdadeiro pico de forma na carreira e com o passar dos anos exibiu-se a um elevado nível, qual vinho do Porto a envelhecer, convertendo adeptos ao seu talento e chegando, inclusive, ao estatuto de capitão dos arsenalistas. Ora, à medida que as temporadas passaram, Alan amadureceu enquanto jogador e líder de balneário, mudando as características do futebol que exibia dentro das quatro linhas, mas destacando-se ainda mais pelas qualidades mentais e psicológicas.


César Peixoto foi colega do antigo jogador brasileiro no FC Porto (2005/06) e no SC Braga (2007 a 2009) e relatou ao Bancada as diferenças que encontrou em Alan. “Reencontrei-o no SC Braga e aí já era um jogador mais feito, mais carismático, com maior estatuto e conseguiu fazer a carreira que fez no clube. Um jogador que percebia quando alguém estava em baixo, tentava sempre subir a moral da equipa, assumia sempre a responsabilidade, seja no campo, como também no balneário”, revelou César Peixoto.


A importância que Alan teve no seio da equipa bracarense é incontestável, também pelas capacidades de liderança positiva que foi exibindo nas nove épocas em que jogou no emblema minhoto. “Foi sempre um jogador importante dentro e fora de campo. Além da qualidade inegável, foi sempre um bom homem, de caráter, de atitude positiva, de ajudar os colegas, ambientar os jogadores novos que chegavam e, sobretudo, nos momentos difíceis assumia a responsabilidade e não se escondia”, reiterou ainda César Peixoto.


Com a retirada anunciada, terminam assim 16 anos de Alan nos relvados portugueses e, mais precisamente, nove épocas de devoção ‘à capitão’ aos ‘Guerreiros do Minho’. Para trás fica uma caminhada cujo palmarés não faz jus ao que o brasileiro representou para os destinos do desporto-rei em Portugal: duas Ligas portuguesas (ao serviço do FC Porto, em 2005/06 e 2006/07), duas Taças de Portugal (em 2005/06 pelo FC Porto e em 2015/16 com o SC Braga), uma Taça da Liga (em 2012/13 no SC Braga), uma Supertaça Cândido de Oliveira (pelo FC Porto em 2006) e uma Taça Intertoto (com o SC Braga em 2008).


Ainda assim, o centrocampista conta algumas façanhas no que diz respeito ao nível individual, fruto da longevidade que obteve entre a elite do futebol português. Alan é, de facto, o jogador estrangeiro com mais encontros disputados na Liga, tendo chegado no final desta época, diante do Nacional, à marca das 400 partidas (dados retirados da plataforma Playmaker Stats), sendo que 230 delas foram disputadas com o símbolo do SC Braga ao peito. De referir ainda que a completar esse pódio estão Filgueira, com 399 jogos (por GD Chaves, Vitória de Setúbal, Marítimo e Belenenses), e Edmilson, com 356 encontros (por Nacional, Marítimo, Vitória de Guimarães e SC Braga).


“Tive propostas para jogar noutros clubes, mas disse que não. O SC Braga é a minha casa e é aqui que vou ficar. Espero que o futuro seja sorridente como foi para mim como jogador”. Foram estas as palavras de Alan ao anunciar o fim de carreira, nas quais a palavra “sorridente”, dita pelo próprio, surge como a mais perfeita descrição daquele que foi um trajeto de um jogador que viveu o futebol da melhor forma possível, com um sorriso nos lábios.


*Texto originalmente publicado em Bancada.pt a 22 de junho de 2017.

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