Campomaiorense: De último clube do Alentejo na elite até à primazia da formação
- Fernando Gamito
- 15 de nov. de 2018
- 9 min de leitura

Desde a presença do Campomaiorense na Liga que a região alentejana não tem uma equipa na elite do futebol português.
O último clube a representar o Alentejo entre a elite do futebol português, depois dos precursores O Elvas e Lusitano Ginásio Clube. É com este estatuto que o Campomaiorense vive hoje em dia, numa fase do clube em que o futebol sénior está extinto e que a aposta na formação é o principal foco dos responsáveis. De 2001, último ano da equipa de Campo Maior na primeira divisão, até 2017, os “galgos” caíram do topo da competitividade nacional até aos campeonatos distritais e, por mais que uma vez decidiram colocar um fim nos escalões profissionais.
Rogado ao esquecimento entre a elite do futebol português nos dias que correm, o Campomaiorense é ainda recordado pelo que representava não apenas para a região, mas também enquanto instituição. Um clube no qual o ambiente em redor era descrito como favorável para o máximo rendimento de cada jogador e onde cada pessoa que por lá passou tem um sorriso na cara quando ouve referência a Campo Maior.
Recuamos à temporada 1997/98, então com o Campomaiorense a marcar presença na Primeira Liga portuguesa. João Alves passou pelo comando técnico da equipa nessa época e, nas palavras do próprio, representar o clube foi fazer parte de algo mais que não tem no futebol o único expoente. “Foi o último clube do Alentejo a ser um clube grande, em termos de primeira divisão e de chegar a uma final de uma Taça de Portugal”, salientou o antigo treinador em conversa com o Bancada.
Quem corrobora esta mesma tese é Constantino Jardim, pois não apenas de treinadores foi feita a história do Campomaiorense, mas também pelos jogadores que passaram por Campo Maior. Avançado dos “galgos” entre 1999 e 2000, Constantino é perentório quanto ao papel que o clube tem na região alentejana e quanto ao facto de o sítio ideal para estar seria entre o topo português. “É uma pena [situação atual do Campomaiorense], o Alentejo merecia o Campomaiorense na Primeira Liga”, vincou o atual adjunto do Sport Canidelo ao Bancada, ao recordar um emblema marcante.
“Era e é um clube muito especial”, referiu João Alves. E por que motivo? Vamos por pates: primeiro, os adeptos, elemento tão essencial para a vida e sustentabilidade de qualquer clube. O próprio João Alves descreve Campo Maior como “uma cidade pequena, em que havia grande envolvência com as pessoas”, fator que servia como base para o entrosamento entre clube, jogadores e população. Constantino partilhou também os bons momentos vividos na cidade do Alto Alentejo. “Estávamos longe [de casa], mas sentíamo-nos bem, num ambiente fantástico. Vivi lá momentos muito bons. É um grande clube, uma vila espetacular, onde éramos muito bem tratados”, revelou Constantino em declarações ao Bancada.
Família, organização e condições como poucos clubes
Foram cinco as temporadas em que o Campomaiorense marcou presença no principal escalão do futebol português, as últimas quatro de forma consecutiva, entre 1998 e 2001. Não obstante a curta passagem que teve pela elite nacional, a organização estrutural que demonstrava ficava atrás de poucos clubes, na ótica de quem vestiu a camisola dos “galgos”, muito devido à família Nabeiro, com João Manuel Nabeiro a ser o presidente do clube, sendo que a direção do clube está “nas mãos” da família há cerca de quatro décadas, com o “império” da Delta Cafés a ser fundamental para a sustentabilidade do Campomaiorense.
Um dos jogadores que viveu aquele que é talvez o momento mais áureo do clube de Campo Maior (final da Taça de Portugal em 1998/99, mas já lá vamos…) salientou ao Bancada esta mesma organização levada a cabo no clube. “No Campomaiorense tínhamos tudo, só tínhamos mesmo que nos preocupar em treinar e jogar. As pessoas que estavam à frente do clube proporcionavam-nos todas as condições que necessitávamos para estarmos bem a treinar e a jogar. Era uma família”, eis palavras de Rogério Matias, que atuou em Campo Maior durante duas épocas (1998/99 e 1999/00).
Ponto de elevada importância na estabilidade que o Campomaiorense aparentava passava pelo cumprimento das obrigatoriedades para com todos os funcionários do clube, situação que por vezes era rara em algumas das equipas do futebol português. “Em termos de cumprir com aquilo que estava estipulado nos contratos, nunca falharam. Todas as pessoas sabiam que quem jogava no Campomaiorense não tinha salários em atraso, o que é muito importante para todos os jogadores”, atestou Rogério Matias.
Ainda sob o semblante dos antigos jogadores, Constantino também deu conta, ao Bancada, de que “o Campomaiorense era um clube cumpridor e com umas condições fantásticas. Não faltava nada. Era um clube bastante evoluído, com sala de musculação e posto médico fantásticos, entre outros. Tinha condições que poucos clubes têm, tirando os grandes, SC Braga, Vitória de Guimarães e Boavista.”
João Alves, por seu turno, destacou o papel da família Nabeiro no projeto e o facto e o clube ser gerido como se de uma empresa se tratasse. “Era uma atmosfera muito agradável, um clube muito especial. Tinha a ver muito com a família Nabeiro. Os próprios funcionários do clube se identificavam com os funcionários da empresa. Foi talvez o único clube por que eu passei no qual os jogadores e os treinadores recebiam antes de acabar o mês. Funcionava como uma empresa autêntica e tinha o cunho da família Nabeiro, que tinha tudo a ver com organização positiva”, confidenciou o antigo treinador ao Bancada.
O lema do Campomaiorense sempre foi pautado pela expressão “mais do que um clube, uma família” e era esse mesmo o semblante que tinha lugar no maior símbolo futebolístico de Campo Maior.
📷Deslocação do Campomaiorense ao Estádio da Luz, em 2002. Crédito: Manuel Moura / LUSA
Entre a descida da elite, o fim do futebol sénior e a aposta na formação
Após quatro épocas consecutivas no principal escalão do futebol português, o Campomaiorense não evitou a descida de divisão em 2000/01 e desde então não mais voltou a pisar os grandes palcos nacionais. Depois de um décimo lugar na Segunda Liga, em 2001/02, o Campomaiorense abdicou do futebol profissional, numa decisão que foi, no momento, tomada com base na falta de valia em continuar com “contratações e salários altos”, referiu João Manuel Nabeiro ao Mais Futebol na altura.
Na ótica de Constantino, a queda do principal escalão foi o primeiro ponto numa corrente de efeitos que terminou com a situação atual do conjunto de Campo Maior. “A descida de divisão terá precipitado tudo. A Segunda Liga era uma despesa muito grande, não é como agora em que há mais dinheiro e tem mais apoios do que tinha. O Campomaiorense acabou por ir por aí abaixo e desistir e trabalhar só na formação.”
O intuito passava pela aposta na formação e num projeto de início. A saída do futebol profissional levou a que o Campomaiorense não caísse no “abismo” financeiro que outros históricos portugueses conheceram. Ainda assim, o futebol sénior voltou a Campo Maior, em 2006/07, com a equipa a disputar a primeira divisão da Associação de Futebol de Portalegre.
Desde aí, os “galgos” até venceram o campeonato distrital, mas recusaram a subida de divisão, como apontou Constantino ao Bancada, situação que vai ao encontro da primazia pela aposta na formação.
Em 2013, novo fim no futebol sénior do Campomaiorense. Uma decisão que teve lugar devido ao facto de “ninguém se ter disponibilizado para apoiar o clube” no que diz respeito a patrocínios, referiu, no momento, Nuno Travassos, vice-presidente do clube, à “Rádio Portalegre”. O dirigente salientou também que a equipa de Campo Maior tem o seu único apoio financeiro do Grupo Nabeiro, pelo que optou por “focar-se nos escalões de formação”, também como forma de não colocar em risco os postos de trabalho de funcionários do clube. E não só. A aposta nas modalidades é agora um dos pontos principais do Campomaiorense.
Uma mudança na política desportiva, com uma repetição de decisão tomada outrora, que colocou ainda mais a pairar o semblante do esquecimento de Campo Maior no que diz respeito aos contornos do futebol em Portugal.
O culminar da ascensão ao topo com a final no Jamor
Um dos momentos que maior marca deixou na história do Campomaiorense foi a presença na final da Taça de Portugal, na época 1998/99. Então orientada por José Pereira, a equipa de Campo Maior atingiu um dos picos mais altos do futebol português, que foi o culminar da última ascensão do desporto rei alentejano entre a elite nacional.
A 19 de junho de 1999, o Estádio Nacional do Jamor acolheu uma final entre Beira-Mar e Campomaiorense, dois históricos do futebol português, que estão agora numa sombra bem longínqua do estatuto que já tiveram. No final, foi o conjunto de Aveiro a sair com o triunfo (vitória por 1-0, com golo de Ricardo Sousa), mas as gentes de Campo Maior testemunharam uma caminha da qual não mais se esqueceram.
📷Beira-Mar - Campomaiorense na final da Taça de Portugal de 1998/99. Crédito: Xico Neves / LUSA.
Quem viveu esse jogo decisivo de perto, vê no trajeto até lá uma bênção que acabou por ser agridoce. “Foi uma caminhada fantástica que fizemos, com uma equipa com muita experiência e juventude”, referiu Rogério Matias, que jogou os 90 minutos desse mesmo duelo. Ainda assim, foi um jogo em Esposende que saltou logo à memória do ex-jogador quando recordou a participação nessa edição da prova rainha portuguesa.
“Recordo especialmente o jogo da meia-final em Esposende, que foi de facto marcante. Muitas pessoas de Campo Maior em Esposende (vitória por 2-0), num estádio [Estádio Padre Sá Pereira] com poucas condições para albergar todas as pessoas que se deslocaram até lá”. A população de Campo Maior deslocou-se em massa para presenciar a disputa do Campomaiorense por um lugar na final da Taça, situação que levou até a que muitos tivessem que assistir ao jogo em lugares que não têm, à partida, esse mesmo propósito.
“Havia pessoas em cima dos postes de iluminação do estádio para poderem ver o jogo. Campo Maior ficou completamente ‘deserto’ porque as pessoas quiseram assistir à partida. Foi realmente uma vitória importante, marcante. O regresso a Campo Maior foi fantástico, nunca tinha visto tantas pessoas na vila a aguardarem por nós”, confidenciou Rogério Matias ao Bancada.
Com um plantel que contava com alguns ilustres do futebol português, o Campomaiorense conseguiu também permanecer na Primeira Liga em 1998/99. Rogério Matias lembrou “um grupo muito unido, com jogadores com muita vontade de vencer, ainda por cima com históricos do nosso futebol, como o Isaías, que apesar de ter conquistado muito pelo Benfica era um exemplo para todos nós e era o primeiro a querer ganhar. Também tínhamos jogadores já com grande ‘traquejo’, como o Quim Machado, o Demétrius, o Mauro Soares, o Luís Miguel, o Paulo Sérgio…”
Ainda assim, ficou o sabor agridoce de não ter conquistado a Taça. Agridoce, sim. Não amargo, pois o trajeto realizado até ao encontro decisivo é um do qual todos os adeptos do clube, inclusive povo alentejano, se podem orgulhar, nas palavras de Rogério Matias. “Merecíamos ter vencido aquela final, o futebol é mesmo assim. Fomos melhores durante todo o jogo, mas acabámos por perder. Todos nós queríamos vencer a Taça e dedicá-la não só aos sócios do Campomaiorense, como a todos os alentejanos, porque era um marco importante. Termos chegado á final da Taça já foi um marco histórico, mas fica sempre aquele sabor agridoce, pois tínhamos capacidade e jogámos o suficiente para ganhar essa final.”
Presenças do Campomaiorense na Liga:
2000/01: 16.º lugar – 32 pontos (desceu de divisão)
1999/00: 13.º lugar – 36 pontos
1998/99: 13.º lugar – 37 pontos
1997/98: 11.º lugar – 40 pontos
1995/96: 17.º lugar – 33 pontos (desceu de divisão)
Lusitano e O Elvas como precursores da “invasão” alentejana à elite
Antes de Campomaiorense, houve O Elvas e Lusitano Ginásio Clube. A equipa de Évora foi, de facto, a primeira do Alentejo a marcar presença entre a elite do futebol português. A longínqua temporada de 1952/52 testemunhou a estreia do Lusitano no principal escalão do futebol português, no qual “gladiou” com equipas como Sporting, Benfica, FC Porto, Belenenses, Barreirense, entre outros. Durante 14 temporadas consecutivas, de 1952 a 1966 o Lusitano disputou a Primeira Liga, até ser despromovido e não mais regressar à elite nacional. Atualmente, é pela divisão distrital de Évora que o Lusitano milita, numa senda bem díspar daquela que envolvia o clube nos anos 50 e 60, tanto a nível de estatuto como de adeptos.
Depois do Lusitano, surgiu O Elvas. A equipa do Alto Alentejo fez a estreia no principal escalão do futebol português em 1947/48, onde permaneceu durante três temporadas consecutivas e ao qual regressou somente em 1986/87 para mais duas épocas, até à descida que não mais viu o clube voltar à elite nacional. Após a queda às distritais, O Elvas voltou a protagonizar o duelo do distrito de Portalegre com o Campomaiorense, embate que não já não acontece nos dias que correm, fruto do emblema de Campo Maior ter abdicado do futebol sénior. Não acontece… de momento. Mas o regresso do Campomaiorense seria algo que faria bem ao futebol português, pelo menos assim o reafirmou Constantino ao Bancada. “Pode ser que um dia volte, como outros voltaram, pois faz falta”, afirmação que encaixa perfeitamente num clube que vive tempos modestos e que já foi “gigante”, nem que seja em termos de Alentejo”, mas que está adormecido.
*Texto originalmente publicado em Bancada.pt a 4 de setembro de 2017.
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