Transferências de valores elevados fazem do futebol um negócio milionário
- Fernando Gamito
- 15 de nov. de 2018
- 8 min de leitura

Com o passar dos anos no futebol, têm vindo a ser batidos recordes de transferências mais caras e de salários.
Paul Pogba, Gareth Bale, Cristiano Ronaldo, Gonzalo Higuaín, Neymar, Luis Suárez. O que têm em comum? Para além da inegável qualidade futebolística, estes craques já moveram quantias monetárias milionárias entre clubes, sendo protagonistas das transferências mais caras da história do futebol, com o desporto-rei a atravessar uma fase em que os valores estratosféricos pela aquisição de jogadores são o prato do dia.
Das dez transferências mais elevadas verificadas até ao momento no futebol, apenas as de Cristiano Ronaldo, em 2009, e de Zinedine Zidane, em 2001, ambas para o Real Madrid não se verificaram de 2013 para a frente. Ora, este facto sustenta a tese do padrão negocial em que se tem vindo a tornar o desporto que apaixona milhões de adeptos pelo mundo fora.
Paul Pogba encabeça o topo da lista das transferências mais caras, com o Manchester United a ter desembolsado 105 milhões de euros a pronto à Juventus, ainda com cinco milhões possíveis em variáveis. Ocorrida no verão de 2016, esta transação captou a atenção pública pelo facto de ter batido o recorde da de Gareth Bale para o Real Madrid, em 2013, por 100 milhões de euros. O primeiro jogador a ultrapassar a ‘barreira’ dos 90 milhões de euros foi o português Cristiano Ronaldo, aquando da ida do Bola de Ouro para o Real Madrid, em 2009. Desde então, tem sido um ‘ataque’ vincado da parte dos clubes com maior poder no futebol atual aos jogadores mais cotados dentro das quatro linhas.
Que fatores são então responsáveis para esta sobrevalorização monetário que se tem vindo a assistir neste cada vez mais negócio a que chamamos de futebol?
Nas palavras de Toni, o investimento de potências financeiras mundiais no desporto-rei e tudo aquilo que está relacionado aos jogadores fora de campo são fulcrais para os valores estratosféricos que têm tomado conta do futebol. “O Investimento chinês, russo e árabe, a injeção de capital que as televisões trouxeram ao futebol, o marketing associado aos jogadores, são todas razões para o que tem acontecido”, começou por considerar o treinador em declarações ao Bancada.
Para Toni, não só o real valor dos futebolistas dentro das quatro linhas contribui para as avultadas transferências, como também as marcas que estes constituem em seu redor. “Quantas vezes as camisolas acabam por pagar a própria transferência…”, lançou para o ar o técnico em conversa com o Bancada. Ora, sobrevalorização ou não, é um facto de que este paradigma atual da lei do mercado futebolístico tem tido influência notória no futebol português.
Lei do mercado futebolístico beneficia ou prejudica Portugal?
O futebol português tem sido ponto de destaque nos recentes mercados de transferências, com Benfica (segundo clube com mais receitas em vendas de jogadores neste defeso, com 113,3 milhões adquiridos), FC Porto e Sporting a serem protagonistas de algumas das maiores vendas de jogadores. Com os três grandes a serem pautados como clubes assumidamente vendedores, temos vindo a presenciar também a peculiaridade da versão compradora das principais equipas lusas, que têm vindo a gastar quantias mais que consideráveis para a realidade portuguesa.
Raúl Jiménez, Rafa Silva e Pizzi para o Benfica, Óliver Torres, Giannelli Imbula e Hulk para o FC Porto, entre outros, estão entre as aquisições mais caras de clubes portugueses, todas elas bem acima da cifra dos dez milhões de euros. Estas transferências demonstram o investimento que tem vindo a ser efetuado em Portugal, fator que provém de uma adaptação dos ‘grandes’ ao mercado futebolístico, nas palavras de Álvaro Magalhães.
“Benfica, FC Porto e Sporting também gastam dinheiro de uma forma exorbitante. Têm-se vindo a pagar valores elevadíssimos por jogadores que depois se verificam de qualidade duvidosa. Isto acontece porque os clubes portugueses têm que se adaptar à realidade, pois para se conseguir manter êxito, ou se acompanha os outros, ou fica-se para trás”, reiterou o treinador e antigo jogador em conversa com o Bancada.
Para Álvaro Magalhães, os valores estratosféricos que envolvem as transferências mais recentes têm um impacto negativo no futebol português, não só ao nível das compras, como também das vendas, nas palavras do próprio treinador. “[Transferências milionárias] têm um impacto negativo no futebol português porque os clubes vão-se endividando cada vez mais. Os ‘grandes’ têm que vender jogadores para pagar os juros das dívidas. Quando se fala em rentabilização de jogadores que saem dos ‘grandes’, rentabilizam sim, mas para pagar os juros das dívidas, pelo que cada vez mais estão a ficar endividados. E isto deve-se às transferências que se fazem lá fora. O nosso país não tem condições de acompanhar os outros, mas também há jogadores que saem de cá sem terem provado nada no futebol para ser pagos a peso de ouro”, considerou Álvaro Magalhães, que deixou ainda um repto: “Ou os clubes param para pensar, ou vamos ter graves problemas financeiros no futuro.”
Chaínho, por seu turno, opta por olhar para o lado positivo da lei de mercado de futebolístico, que considera ter vindo a ser aproveitada pelos clubes portugueses, como forma de valorizar os talentos produzidos em solo luso. “O FC Porto, o Benfica e o Sporting têm vendido. Os clubes portugueses sabem vender, o que sai daqui é um produto já pronto. Nós formamos bem e somos quem vende melhor”, regozijou o atual comentador do desporto-rei.
Não obstante, o antigo treinador e jogador atesta que ao nível das aquisições, os portugueses não deveriam gastar quantias acima de oito milhões de euros, valores que alguns dos ‘grandes’ têm ultrapassado de forma recorrente em épocas recentes. “No que diz respeito a comprar, oito ou dez milhões já é muito para equipas portuguesas. (…) Temos que tirar o chapéu aos portugueses, que são bons gestores, mas a comprar não temos as condições dos clubes de top europeu”, salientou Chaínho ao Bancada.
Ora, o futebol tem sido afetado de forma intensa pela sobrevalorização a nível internacional e esta pré-temporada tal facto já ficou bem patente com as vendas do FC Porto de André Silva para o Milan (38 milhões de euros) e Rúben Neves para o Wolverhampton WFC (cerca de 18 milhões de euros), do Benfica de Ederson para o Manchester City (40 milhões de euros), Lindelof para o Manchester United (35 milhões de euros) e de Nélson Semedo para o FC Barcelona (30,5 milhões de euros), e do Sporting que transferiu Rúben Semedo para o Villarreal (14 milhões de euros).
Aquisições de Chelsea, City e PSG suplantadas por China a subir a parada
O futebol inglês tem tido papel principal neste investimento realizado no futebol e na aquisição de jogadores. Muito desse papel deve-se às compras dos clubes por parte de investidores, como é o caso do Chelsea, com Roman Abramovich como proprietário, e do Manchester City, detido por Khaldoon Al Mubarak. Ora, ambos os conjuntos de Terras de Sua Majestade têm sido pioneiros em transferências por quantias avolumadas.
De recordar a primeira passagem de José Mourinho pelo Chelsea, já com Abramovich como proprietário dos “blues”, logo com as compras de Didier Drogba (38,5 milhões de euros), Ricardo Carvalho (30 milhões de euros) e Paulo Ferreira (20 milhões de euros) no primeiro ano do timoneiro português no clube, por valores bem altos para o considerável em 2004.
O Manchester City, por seu turno, tem vindo a ser pautado pela estratégia de contratações que tem levado a cabo desde que o sheik Khaldoon Al Mubarak investiu no clube em setembro de 2008. Desde então, ‘rios’ de dinheiro e nomes proclamados do futebol passaram pelo City, com destaque para Adebayor (29 milhões de euros), Carlos Tévez (€29M), Edin Dzeko (€37M), Yaya Touré (€30M), Mario Balotelli (€29,5M), David Silva (€28,75M), Agüero (€36M), Samir Nasri (€27,5M), Fernandinho (€40M), Kevin de Bruyne (€74M), Raheem Sterling (€62,5M), Otamendi (€44M), John Stones (€55,6M), Leroy Sané (€50M), Gabriel Jesus (€32M), Mendy (€57,5), Kyle Walker (€51M), Ederson (€40M) e Bernardo Silva (€50M), entre muitos outros.
Outro dos clubes alvo de investimento foi o Paris Saint-Germain, que passou de uma autêntica travessia no deserto para a consolidação de superioridade e domínio no futebol francês, não obstante o facto de não ter conquistado o campeonato na temporada passada. Nasser Al-Khelaifi, investidor proveniente do Catar, tornou-se proprietário dos parisienses em outubro de 2011 e desde então o clube tem incorrido em constantes aquisições milionárias de jogadores. Desde a chegada de Al-Khelaifi, rumaram ao PSG jogadores como Pastore (€42M), Thiago Silva (€42M), Lucas Moura (€40M), Lavezzi (€29M), Ibrahimovic (€21M), Cavani (€64,5M), Marquinhos (€31,5M), Cabaye (€25M), David Luiz (€49,5M), Di María (€63M), Kurzawa (€25M), Draxler (€40M), Krychowiak (€33M), Gonçalo Guedes (€30M) e Jesé (€25M), entre outros.
O capítulo mais recente no que concerne a investimento massivo no futebol, deu-se com o aparecimento de clubes chineses a pagarem transferências e salários que há alguns anos não seria imaginável no futebol asiático. Este atrativo tem feito com que vários jogadores rumem à China, onde não têm o prestígio futebolístico que certamente teriam a disputar uma Liga dos Campeões, mas obtêm um rendimento financeiro que a muitos faz inveja. O salário de Carlos Tévez no Shanghai Shenhua avaliado em mais de 700 mil euros por semana é o pináculo do fenómeno que tem vindo a ter lugar no futebol chinês, entretanto abrandado pela Federação do país, com restrições que penalizam tão avultadas quantias monetárias envolvidas em negociações de jogadores.
Que futuro financeiro para o futebol?
Com o processo de largas quantias financeiras investidas em futebolistas, o futebol encontra-se num paradigma cada vez mais avultado e só dá mostras de continuar o aumento dos valores envolvidos em transferências. Quem o diz é Toni, em conversa com o Bancada. “Uma irracionalidade, ainda com tendência para que os números aumentem”, é a descrição que o treinador como a mais fiel representação da realidade que se vive no desporto-rei.
Chaínho corroborou as declarações de Toni, mas considerou que o fenómeno que o futebol representa na sociedade é razão considerável para que assista a investimentos em tamanha escala. “São valores bastante exagerados, mas sabemos que o futebol hoje em dia é um fenómeno mundial, que gere muito dinheiro, empregos…”, referiu. “São exagerados porque desequilibram a balança entre clubes grandes, médios e pequenos. O teto financeiro e as regras para não ultrapassar certos montantes são adequadas. Mas, vai ter que chegar a um ponto em que a situação vai ter que estabilizar e a UEFA vai ter que tomar medidas. Vai chegar a um momento em que as próprias pessoas vão agir, pois fala-se em milhões como se fala de trocos.”
Chaínho não tem dúvidas de quem são os principais prejudicados com as caras aquisições levadas a cabo pelos clubes de topo do futebol europeu. “Quem fica a perder são sempre as equipas pequenas e médias, porque vai haver um fosso enorme entre as equipas de top em relação aos outros, incluindo os clubes portugueses, para os quais vai ser ainda mais difícil vencerem a Liga dos Campeões.”
Difícil para umas equipas, mas mais facilitado para outras, às quais não falta o dinheiro para investir. Para Álvaro Magalhães, resta uma adaptação ou uma queda total para os clubes que não estão inseridos no topo da pirâmide do futebol. “São verbas exorbitantes, com clubes com orçamentos que colocam as pessoas de boca aberta. A forma como o futebol internacional está obriga a que os clubes acompanhem. O futebol rege-se de quatro ou cinco equipas”, reiterou Álvaro Magalhães ao Bancada.
A lei do fair-play financeiro, implementada pela UEFA, tem tentado debater-se com os montantes gastos pelos clubes, mas estes têm conseguido descobrir formas de contornar os pressupostos de equilíbrio financeiro do organismo que rege o futebol europeu. Ora, visto que as atuais regras não estão a ter o resultado previsto, a UEFA já prevê novas introduções. “Taxas de luxo, limitação de planteis ou regras de transferências mais justas, para evitar a concentração de talento em poucas equipas”, foram alguns dos pressupostos apontados pelo presidente da UEFA, Aleksandr Çeferin, aquando da sua presença na Football Talks, uma conferência organizada pela Federação Portuguesa de Futebol. Não obstante, com o decorrer dos dias continuam as tentativas de aquisições dos principais craques do futebol.
O mais recente episódio deste processo de investimento massivo tem num internacional brasileiro o principal protagonista. A ‘badalada’ possível transferência de Neymar para o Paris Saint-Germain, avançada em toda a imprensa internacional desportiva, pode tornar-se, caso se concretize, no principal culminar de todo este investimento que tem sido feito pelos maiores clubes do futebol europeu. 222 milhões de euros são os números avançados como a quantia monetária que os parisienses estarão dispostos a pagar para contarem com os serviços do internacional brasileiro. Um valor que pode surpreender todo o comum adepto do desporto-rei, mas que vai ao encontro daquilo em que se está a tornar o futebol nos dias que correm, um desporto que é um negócio e, ao mesmo tempo, um negócio que é um desporto.
*Texto originalmente publicado em Bancada.pt a 25 de julho de 2017.
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